Uma agem pelo centro histórico do Rio de Janeiro pode ser uma ótima oportunidade para descobrir recantos fora da zona turística tradicional da cidade, como o morro da Conceição, a Pequena África, o Largo de São Francisco da Prainha e a praça Mauá. Além do samba na Pedra do Sal às segundas e sextas-feiras e a agitada vida noturna, há recantos que oferecem uma gastronomia com autenticidade, requinte, inventividade e preços honestos.
Café Tero
Foi por uma dica de uma conhecida que mora no Rio de Janeiro que cheguei ao Café Tero, um oásis escondido na ladeira do João Homem, no morro da Conceição, que pode ser ado facilmente pela avenida Rio Branco, subindo uma pequena escadaria. Bem próximo da área turística da praça Mauá, o Tero é um desses lugares charmosos, bucólicos e aconchegantes que só o carioca da gema e o turista antenado descobrem e frequentam.
Os proprietários são os italianos Nicolas Bara, mixologista, e Tobia Messa, o chef, que, com cardápio enxuto e artesanal, com uma pegada de latinidade, conquistam paladares. O boca a boca é o responsável pelo sucesso da casa. Bara, que é dono do Flor do Céu, na comunidade do Vidigal, assumiu o espaço há um ano e, ao lado do amigo, investiu em novos aromas e sabores.
A massa fina e artesanal faz sucesso em pratos como lasanha de ragu branco (R$ 39) e o canelone capoeira grande (R$ 40). Experimente o escabeche de polvo (R$ 35), uma opção vegana, como entrada, e não saia de lá sem degustar o tiramisú (R$ 19), feito com mascarpone caseiro. No Café Tero, são apenas 13 pratos em um cardápio pequeno e sazonal. Para este verão, a dupla cria seu xinxim de galinha; no inverno, o destaque é o arroz com frutos do mar.
Quem curte um happy hour com drinks refrescantes tem outros motivos, além da comida, para conhecer a casa. Aos sábados, tem chorinho ou samba. O mixologista Bara prepara coquetéis como cachaça e gin, além de vermutes. A dica é pedir o Carioca da Gema (cachaça, suco de abacaxi, xarope de amêndoas, mate e limão, a R$ 25) ou o Macunaíma alla tero (cachaça, gengibre, mel, suco de limão e fernet, a R$ 28), mas há também vinhos e cervejas.
G&G Gourmet
A Pequena África é o apelido que o sambista Heitor dos Prazeres deu à área abrangida pelos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, na zona portuária do Rio de Janeiro. Esse território, ocupado por uma população majoritariamente negra, traz, além do revitalizado Cais do Valongo e da movimentada Pedra do Sal, bares e restaurantes muito charmosos.
O G&G Gourmet, de Geórgia Gomes, é uma destas 27 casas e bares que tornam esse local único no centro do Rio. Cozinheira de mão cheia, ela recebe o visitante em um espaço com muitas referências à cultura negra, algumas muito pessoais, como o sapato usado no desfile da escola de samba e a imagem de devoção a são Jorge, além de presentinhos de clientes.
Para animar o espaço, ela convida artistas que não estão na mídia para mostrar sua arte, como o grupo Awurê, que já tocou na Fundição Progresso, ao lado do Olodum, as sambistas Dona Dida, do Dida’s Bar, e Aldione Sena, ista das escolas Mangueira e Vila Isabel, o DJ Dom Filó, da Black Music, e os amigos Fernando e Lucas, que fazem projetos sociais.
Muitos deles estão homenageados em uma parede, ao lado de nomes consagrados como Cartola, Dona Neuma, Dona Zica, Emicida, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Luiz Melodia, Ruth de Souza, Grande Otelo, Bezerra da Silva, Leci Brandão, Mussum, Djavan, Elza Soares e muitos outros. “Todos são personalidades pretas que precisamos reverenciar”, pontua.
Quem vai ao restaurante G&G Gourmet é atraído por uma culinária, define ela, afetiva, com influências baiana e africana. A dica é começar pelo bolinho de feijoada (quatro unidades a R$ 30), emendar com o bobó da Geórgia (R$ 45) e finalizar com canjica com amendoim e coco (R$ 15). Os drinks levam nomes de famosos, como Dona Ciata, Elza Soares, Zezé Mota e Conceição Evaristo.
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São Francisco da Prainha
Do G&G Gourmet, seguindo a rua Sacadura Cabral, chega-se ao Largo de São Francisco da Prainha, atual point da vida noturna carioca. Nessa praça, contornada por edifícios históricos, com fachadas coloridas e adornada por uma estátua de Mercedes Baptista – a primeira bailarina negra do Theatro Municipal e inventora do balé afro-brasileiro –, estão restaurantes com muita história, informalidade e uma gastronomia de comer de joelhos.
Entre esses restaurantes que figuram nas listas de críticos gastronômicos, estão o Bafo da Prainha, um boteco raiz que serve macarronese e a clássica salada de macarrão exaltada pelo sambista Jorge Aragão; a Casa Porto, onde o chef e produtor cultural Raphael Vidal serve comidas de quintal como a costela com batata (R$ 48) e petiscos, como moela à milanesa (R$ 35); e o Angu do Gomes, o grande clássico carioca, vendido a R$ 18,50.
As varandinhas dos sobrados, disputadíssimas, têm vista para a praça que, ao anoitecer, fica lotada de moradores e turistas, com música até altas horas. A região onde o Rio começou a florescer e deu à luz o samba e o Carnaval, antes perigosa e degradada, deu lugar a um dos points mais animados da cidade, com jovens se espremendo na rua São Francisco da Prainha, que leva à Pedra do Sal, e muitas barracas vendendo comidinhas e drinks.
Casa do Saulo
Ao ar pelo centro histórico e pela Pequena África, há a praça Mauá. No chamado “Boulevard Olímpio”, herança deixada pelos Jogos Olímpicos de 2016, há dois museus magníficos para visitar: o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã. Ali perto, ainda estão o Cais do Valongo e o Museu da História e Cultura Afro-brasileira (Muhcab). No Museu do Amanhã, a Casa Saulo é a quinta filial do chef Saulo Jennings fora do Pará. .
Saulo Jennings, que mora em Carapanari, às margens do rio Tapajós, no Pará, cunhou a expressão “cozinha tapajônica”. Nessa região isolada, começou a servir receitas de família aos amigos, até abrir um restaurante caseiro, resgatando técnicas locais e utilizando ingredientes regionais. Na unidade carioca, além dos produtos locais, até Nossa Senhora de Nazaré, padroeira do Pará, dá as bênçãos e marca presença.
Desde então, Jennings propaga a culinária paraense pelo país, uma cozinha, segundo Henrique Mota, subgerente da filial carioca, baseada na culinária indígena, na ancestralidade e na sustentabilidade, em que se consome os produtos de comunidades locais. Utilizam-se peixes como pirarucu, tambaqui, tucunaré e filhote, mas também mandioca, tucupi, jambu, sementes como cumaru e puxuri, mel de Meliponini (abelha sem ferrão) e orelha-de-macaco, o espinafre da Amazônia.
Com esses ingredientes, nasceram pratos como o tacacá do Saulo (R$ 24,90) e a linguiça de pirarucu com jambu (R$ 49,90), ótimas entradas para atiçar o paladar. O Trio Patagônico (R$ 45,90, foto acima) é o sucesso da casa: dadinho de farinha de tapioca com geleia de cupuaçu apimentada, bolinho de piracuí com maionese de pirarucu defumado e isca de peixe com geleia de açaí e bacon. “É perfeito para se iniciar nos sabores amazônicos”, ensina Mota.
O cardápio é tão atrativo e diferenciado que fica difícil escolher entre a Casa de Saulo (pirarucu grelhado ao molho de castanha do Pará, banana-da-terra e camarão-rosa com arroz e farofa, a R$ 94,90), a caldeirada com tucupi (R$ 94,90, foto acima) e a costela Santarém (costela de tambaqui frito, cebola e mix de pimentões salteados na manteiga de erva de limão siciliano com risoto de feijão Santarém, a R$ 89,90), tudo chegando à mesa com cores e esmero.
Não bastasse a inventividade que faz brilhar os olhos ao folhear o cardápio, os drinks autorais merecem ser visitados, assim como a sobremesas. O Banho de Cheiro (R$ 36,90) adiciona um ingrediente paraense, o patchouli (arbusto perfumado e de propalados poderes medicinais), à vodca, suco de limão, manjericão, espuma de jambu e xarope de açúcar. Na sobremesa, não fuja do creme de cupuaçu (R$ 34,90) ou do tiramisú de bacuri (R$ 4,90).