BRASÍLIA – Ao defender a responsabilização de plataformas digitais por conteúdos ilegais postados por usuários nas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes afirmou nesta quinta-feira (12), no Supremo Tribunal Federal, que o julgamento não trata de limitar a liberdade de expressão, mas de coibir o uso criminoso desse direito fundamental.

A análise gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que hoje exige ordem judicial para que empresas como Meta, Google e X sejam punidas por não removerem conteúdos ilegais postados por usuários nas redes.

Até agora, seis ministros já votaram para flexibilizar essa exigência como necessária para remoção de conteúdos ilegais — o único a divergir foi André Mendonça.

“Aqui não se discute nenhuma limitação ao exercício da liberdade de expressão. Aqui se discute a responsabilização pelo abuso criminoso da expressão. São coisas diversas”, disse o ministro na leitura do parecer, que deve ser concluído no final da tarde e acompanhar a maioria. 

Para Moraes, as redes sociais se transformaram em canais de comunicação direta, dispensando a mediação da imprensa tradicional, e aram a ser exploradas por empresas que manipulam algoritmos para direcionar mensagens e influenciar comportamentos.

Segundo ele, ao serem utilizadas para manipulação de usuários por meio de algoritmos, elas deixam de ser um instrumento neutro. 

“As redes sociais não são boas ou ruins. Na verdade, quem utiliza pode utilizá-las de maneira boa ou ruim. Ao perceberem que elas poderiam ser utilizadas para manipulação, foram surgindo empresas que com esses dados captados, aram a manipular os algoritmos direcionando mensagens”, completou, referindo-se aos gostos por cores, tipo de roupas ou outras preferências individuais de cada usuário. 

"Ações criminosas e abomináveis"

Ao apresentar seu voto, Moraes exibiu no telão do plenário imagens de conteúdos ilícitos ainda disponíveis nas redes sociais mesmo após pedidos formais de remoção. O magistrado rechaçou que o debate na Alta Corte seja um julgamento voltado à censura das redes sociais. 

Moraes condenou com veemência o que classificou como “ações criminosas e abomináveis” praticadas contra crianças e adolescentes por meio de vídeos de automutilação, desafios perigosos e incitação ao suicídio. Ele criticou duramente o modelo atual de autorregulação, alegando que se mostrou “ineficiente até para proteger o mais básico: a vida”.

O julgamento foi suspenso na quarta-feira (11) após o voto de Gilmar Mendes e retomado nesta quinta-feira com o posicionamento de Moraes. A Corte ainda deve discutir os critérios exatos e os modelos de responsabilização aplicáveis às plataformas.

Confira a seguir os votos dos ministros que se manifestaram até agora:

Dias Toffoli

Também relator, considerou o artigo 19 inconstitucional. Propôs responsabilização com base no artigo 21 do Marco Civil, que exige apenas notificação para remoção. Sugeriu responsabilizar provedores sempre que conteúdos ilegais colocarem em risco o Estado de Direito, a integridade física de pessoas vulneráveis ou a lisura do processo eleitoral. Citou conteúdos racistas, suicídio, violência sexual e desinformação grave.

Luiz Fux

Relator de um dos casos, considerou inconstitucional a regra atual e defendeu que conteúdos ilegais devem ser removidos imediatamente após notificação, sem necessidade de ordem judicial. Propôs inversão do ônus da prova: o conteúdo só pode voltar ao ar com autorização da Justiça. Afirmou que a atual indenização por danos é ineficaz e favorece infratores.

Luís Roberto Barroso

Propôs modelo de responsabilização por dever de cuidado, com foco na prevenção de riscos sistêmicos, como pornografia infantil, terrorismo e golpes de Estado. Defendeu que, em casos criminais evidentes, não é necessária ordem judicial, mas que nos crimes contra a honra a remoção depende de decisão da Justiça. Segundo Barroso, plataformas devem trabalhar para manter o ambiente digital seguro.

André Mendonça

Único a votar contra mudanças, defendeu a plena constitucionalidade do artigo 19. Segundo ele, as plataformas têm direito à moderação conforme suas diretrizes, e só devem ser punidas se descumprirem ordem judicial. Condenou a remoção de perfis, exceto os falsos, e classificou como inconstitucional qualquer regime que imponha responsabilidade sem decisão da Justiça.

Flávio Dino

Defendeu a responsabilização ampliada, com punição para plataformas que não retirem conteúdo após notificação extrajudicial, exceto em crimes contra a honra. Propôs lista de conteúdos com monitoramento obrigatório (terrorismo, suicídio, violência contra crianças). Para Dino, anonimato, robôs e conteúdo impulsionado justificam responsabilização automática.

Cristiano Zanin

Apoiou a inconstitucionalidade parcial, propondo um modelo provisório com regras mais rigorosas para plataformas que atuem ativamente na promoção de conteúdo ilegal. Defendeu regime mais rígido para temas como terrorismo e crimes contra crianças. Manteve a exigência de culpa, mas com exceções, como no uso de robôs e anúncios criminosos. Recomendou a implementação gradual após o julgamento.

Gilmar Mendes

Defendeu a inconstitucionalidade parcial do artigo 19, afirmando que as plataformas deixaram de ser apenas intermediárias neutras. Citou o “véu de irresponsabilidade” que protege empresas mesmo diante de conteúdos criminosos. Propôs quatro regimes diferentes, com responsabilização imediata em casos graves como discurso de ódio e pornografia infantil. Sugeriu ainda obrigações de transparência e prestação de contas.