BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido da defesa de Jair Bolsonaro (PL) para exibir vídeos durante o seu interrogatório sobre a suposta trama golpista. O ex-presidente deve começar a falar após as 14h desta terça-feira (10).
“No interrogatório, o réu e sua Defesa podem utilizar, apontar e fazer referência a qualquer prova presente nos autos, porém, não é o momento adequado para apresentação de provas novas, ainda não juntadas aos autos e desconhecidas das partes”, escreveu Moraes em sua decisão.
Conforme o ministro, os advogados podem anexar os vídeos ao processo. “Caso entenda conveniente, a Defesa deverá juntar os citados documentos (“vídeos”) aos autos, para que as partes se manifestem e que, eventualmente, possam ter sua autenticidade comprovada”, observou.
Mais cedo, antes do início da sessão matutina dos interrogatórios dos réus do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial”, Bolsonaro disse a jornalistas que vai responder a todos os questionamentos sobre as suas ações e falar por horas.
Ele citou a intenção de exibir na sala da Primeira Turma do STF vídeos com críticas de autoridades de esquerda às urnas eletrônicas. Seriam imagens de discursos do ministro do STF Flávio Dino e do ex-ministro Carlos Lupi apontando inconsistências no sistema eletrônico de votação.
“São 11 ou 12 vídeos curtinhos que tem a ver com o processo. Tem ato meu, pronunciamento meu. Tem um do Flávio Dino condenando a urna eletrônica. Carlos Lupi também falando que sem a impressão do voto é fraude”, disse Bolsonaro.
Antes de Bolsonaro falaram outros três réus
Bolsonaro é o quarto réu a depor no segundo dia de interrogatórios dos integrantes do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” da suposta trama golpista contra Lula. Antes deles, falam o general Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e Segurança Pública).
Os interrogatórios acontecem na sala de sessões da Primeira Turma do STF. O núcleo 1 tem oito réus, incluindo Bolsonaro. Os depoimentos começaram na segunda-feira (9), quando falaram o tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência) e o deputado federal Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin).
A Primeira Turma julga a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Baseada em investigação da PF, ela diz que o grupo encabeçado por Bolsonaro teve papel central na tentativa de ruptura institucional. A denúncia foi aceita pelo STF em março.
Os réus respondem por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.
Torres disse que nunca houve provas de irregularidades com urnas
Ainda nesta terça, Torres pediu desculpas a Moraes por xingamentos durante reunião ministerial em que atacou o STF e citou “indícios” de hackeamento do sistema eleitoral brasileiro.
“O senhor é delegado da Polícia Federal, e o senhor sabe que indício é um termo técnico para início de provas. O senhor tinha algum indício de fraude às urnas?”, questionou Moraes. “Exatamente eu, ministro, eu não tinha [...]. São só colocações pessoais minhas ali na reunião”, respondeu Torres.
Ainda sobre a reunião ministerial, Torres justificou que era um momento “muito acirrado na relação entre o Executivo e o Judiciário”. O ex-ministro da Justiça alegou que a tensão era provocada por decisões do STF contra medidas do governo Bolsonaro.
“Eu fui um dos que mais me esforcei para que essa relação não se esbagaçasse. Eu tentei de todas as formas manter o diálogo, mas eu sentia uma pressão muito grande”, ponderou.
Na reunião ministerial de julho de 2022, Torres afirmou, ao microfone, que todos presentes iriam “se foder” caso o PT ganhasse as eleições presidenciais de 2022.
“Senhores, todos vão se foder! Eu quero deixar bem claro isso. Porque se... eu não tô dizendo que... eu quero que cada um pense no que pode fazer previamente porque todos vão se foder”, afirmou ele, ao lado de Bolsonaro e olhando para os ministros.
Em outro momento, Moraes reforçou o questionamento à Torres sobre dúvidas a respeito da lisura das urnas e o ex-ministro da Justiça afirmou que nunca houve qualquer indício de fraude.
“Eu nunca questionei a lisura do processo eleitoral. Todas as minhas falas são em relação às sugestões de melhorias que os peritos trouxeram naqueles documentos”, argumentou Torres.
“Tecnicamente falando nós não temos nada que aponte fraude nas urnas. Nunca chegou essa notícia até mim. E quando era questionado pelo presidente ou por qualquer autoridade eu sempre ei isso. Que nós não tínhamos tecnicamente nada a dizer sobre as urnas”, disse.
O ex-ministro da Justiça deu as declarações após ser questionado por Moraes sobre a live comandada por Bolsonaro, em 29 de julho de 2021, no Palácio da Alvorada, que, segundo a denúncia da PGR, marcou o início da trama golpista.
Na transmissão ao vivo, Bolsonaro fez acusações sem provas contra as urnas e a segurança do processo eleitoral. O então presidente fazia campanha pela volta do voto impresso.
Anderson Torres participou da transmissão ao vivo e reforçou as críticas de Bolsonaro, com base em recomendações de segurança feitas por peritos da PF.
“Pedi pro meu chefe de gabinete fazer um levantamento ali, no âmbito do Ministério da Justiça, para a gente avaliar algum material, alguma coisa que pudesse me instruir para participar da live. Vieram até o meu chefe de gabinete alguns relatórios produzidos pela Polícia Federal, acredito eu no teste público de segurança os peritos fazem algumas análises do sistema eleitoral e eles fazem algumas sugestões de aperfeiçoamento do sistema [...] Ele leu, marcou tudo o que eles entendiam que eu pudesse acrescentar numa live sobre esse assunto”, disse Torres no depoimento desta terça.
Torres era o secretário de segurança do DF em 8 de janeiro de 2023
Torres foi ministro da Justiça entre março de 2021 e dezembro de 2022. Em seguida, assumiu como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele ficou no cargo entre 2 e 8 de janeiro, sendo exonerado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), após os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília.
Torres estava fora do Brasil em 8 de janeiro de 2023, quando prédios públicos foram invadidos e depredados. O então secretário de Segurança viajou para os Estados Unidos com sua família na noite de 6 de janeiro, três dias antes do início oficial de suas férias – tiradas apesar de tão poucos dias no cargo.
Torres foi denunciado pela PGR por suposta participação nos núcleos de Desinformação e Ataques ao sistema eleitoral, que disseminavam informações falsas contra a urna eletrônica, e no Núcleo jurídico, responsável pela minuta do decreto golpista.
A PF apreendeu a chamada “minuta do golpe” na casa de Torres, em 10 de janeiro de 2023. Ele nega envolvimento na confecção do documento, mas o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Junior, que comandaram o Exército e a Aeronáutica na gestão Bolsonaro, respectivamente, confirmaram à PF que ele participou da elaboração.
Torres virou réu por decisão da Primeira Turma do STF em 26 de março, junto ao chamado “núcleo crucial”, que tem Bolsonaro como liderança. De acordo com a PGR, Torres usou o cargo para atacar instituições, com foco no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O parecer da PGR também apontou papel de Torres na operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas eleições de 2022. Na época, denúncias deram conta de blitz montadas para dificultar o o de eleitores às urnas, especialmente na região Nordeste, onde Bolsonaro poderia perder para Lula.
Ex-comandante da Marinha disse que Bolsonaro discutiu GLO
Já o almirante Almir Garnier Santos, comandante da Marinha no governo de Jair Bolsonaro, afirmou, em depoimento ao STF, que participou de uma reunião no Palácio da Alvorada em que foi discutido o “cenário político e social” do país após a vitória de Lula nas urnas.
Ele também citou que um dos assuntos tratados no encontro no Alvorada, onde Bolsonaro ficou recluso após a derrota, foi a possibilidade de implantação de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). “Algo apresentado numa tela de computador, onde não se aprofundou em nada. Era parte de uma análise do cenário político e social do Brasil naquele momento”, contou o almirante.
Na denúncia ao STF, a PGR afirmou que Garnier participou de uma reunião sobre a “minuta do golpe” e que a prova disso é o registro de seu nome na lista de entrada e saída do Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente em Brasília.
Garnier foi apontado, nas investigações, como o único comandante das Forças Armadas que colocou sua tropa à disposição de Bolsonaro para uma suposta intervenção militar. O almirante teria se manifestado favorável a um golpe durante reunião no Alvorada.
A adesão dele ao suposto plano foi identificada pela Polícia Federal (PF) em mensagens apreendidas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro e firmou acordo de delação premiada, e em depoimentos das outras forças militares.
Carlos Almeida Baptista Junior, que comandou a Aeronáutica no governo bolsonaro, afirmou em depoimento que ele, o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tentaram “demover” Bolsonaro da intenção golpista, mas em uma reunião, “chegou ao ponto em que ele [Garnier] falou que as tropas da Marinha estariam à disposição”.
Na defesa prévia apresentada ao STF no recebimento da denúncia da PGR, advogados de Garnier negaram a prática de qualquer conduta criminosa pelo almirante. “A PGR não apresentou provas mínimas de sua participação ativa ou direta nos supostos atos de violência ou na execução de quaisquer medidas contrárias à ordem constitucional”, alegaram.
Mauro Cid narrou pressão contra comandantes das Forças Armadas
No primeiro dia de depoimentos dos réus do núcleo 1, na segunda, foram ouvidos Mauro Cid e Alexandre Ramagem. Cid narrou o plano de militares das Forças Armadas para pressionar os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica a aderir a um golpe de Estado em 2022.
“Existia essa pressão para que se o general Freire Gomes [então comandante do Exército] não tomasse alguma atitude [favorável a uma intervenção militar contra a posse de Lula], que se colocasse militares que pudessem tomar alguma atitude”, afirmou Cid.
“O teor das conversas era nesse sentido, por isso não sabia distinguir o que era real e o que era bravata de Whatsapp. Mas a conversa era nessa toada de pressionar os comandantes a tomar decisão”, prosseguiu Cid ao ser questionado sobre os diálogos travados em grupos de Whatsapp.
Bolsonaro e os outros seis réus do núcleo 1 estavam presentes na sala da Primeira Turma, onde ocorrem os depoimentos conduzidos por Moraes.
Cid disse ainda que Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa em relação a um relatório sobre a lisura do processo eletrônico de votação. Questionado por Moraes, o ex-ajudante de ordens afirmou que Bolsonaro queria um documento “duro” contra as urnas.
“Eu não sei se foi por ligação, por conversa particular, mas essa pressão realmente existia. O general Paulo Sérgio tinha uma conclusão nesse documento voltado para um lado mais técnico. E se tinha a tendência de fazer algo voltado mais para o lado político. E acabou que, no final, chegou-se a um meio termo que foi o documento que foi produzido e assinado”, disse Cid.
A convite do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), então presidido por Alexandre de Moraes, as Forças Armadas indicaram representantes para participar de uma comissão de fiscalização das eleições em 2022. Relatório entregue pelos militares não apontou fraude, mas não descartou a possibilidade de falhas, mesmo sem evidências concretas.
Cid confirma que Bolsonaro leu e editou ‘minuta do golpe’
Mauro Cid também confirmou a existência da trama golpista, mas negou participação. Também disse que o então presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e editou a chamada “minuta do golpe”, que poderia ser usada para impedir a posse de Lula.
“Ele enxugou o documento, retirando as prisões. Apenas o senhor [Moraes] ficaria preso”, disse Cid, que era ajudante de ordens na ocasião. Ele respondeu à pergunta de Moraes sobre confecção de documentos que eram levados a Bolsonaro, então recluso no Palácio da Alvorada, para tentar anular a eleição presidencial.
“O senhor aponta que várias reuniões ocorreram para discutir reversão das eleições e que um dos que participavam era Felipe Martins, acompanhado de um jurista. Mais de duas reuniões com Bolsonaro, apresentaram documento”, disse Moraes.
“Em termos de data, não me lembro bem. Duas ou, no máximo, três reuniões, em que esse documento foi apresentado ao presidente [...], listavam as possíveis interferências do STF e TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no governo e nas eleições, e outra parte entrava em estado de defesa, estado de sítio, prisão de autoridades e conselho eleitoral para refazer as eleições, algo parecido”, contou Cid.
Moraes pediu nomes de prováveis alvos do grupo. “Ministros do STF, presidente do Senado, autoridades do STF e do legislativo”, respondeu Cid. “Qual seria a função da comissão?”, questionou novamente o ministro. “Conduzir nova eleição”, afirmou o tenente-coronel. Em seguida, Moraes perguntou se Bolsonaro leu o documento e fez alterações. Cid confirmou.