As discussões sobre o futuro da mobilidade urbana em Belo Horizonte estão em um momento decisivo, com o pleno debate para revisão do contrato de concessão do serviço de ônibus – que se encerra em 2028 – e a tramitação do projeto de lei que pode expandir a tarifa zero para todos os usuários de ônibus. Para especialistas ouvidos pela reportagem de O TEMPO, o momento é propício para que a cidade repense o modelo de transporte coletivo, adotando, sobretudo, soluções inovadoras e sustentáveis.

Dados apresentados na Comissão Especial de Estudos dos Contratos dos Ônibus da Câmara Municipal de BH indicam um declínio expressivo na demanda pelo transporte coletivo na capital. O número de ageiros, que atingiu seu pico na década de 1980, ao chegar a cerca de 650 milhões por ano, soma hoje 350 milhões/ano.

Na avaliação de André Veloso, especialista em urbanismo e um dos coordenadores do movimento Tarifa Zero em Belo Horizonte, a capital mineira está “voltando aos níveis pré-ônibus”. A busca crescente pelo transporte individual motorizado é um dos principais fatores responsáveis pela crise no setor. As consequências, Veloso aponta, são o aumento nos custos de saúde pública devido aos acidentes; o tempo perdido em congestionamentos; e os impactos ambientais. “Não há como fugir. O sistema está colapsado em todo o país, não é apenas em Belo Horizonte. Por isso, cada vez mais cidades adotam a tarifa zero como forma de buscar alternativas”, defende o urbanista Roberto Andrés, que aponta a gratuidade do serviço como um dos meios mais eficazes de atrair usuários. 

Roberto Andrés é professor da UFMG e autor do livro “A razão dos centavos: crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013”, publicado em 2023, pela Editora Zahar. Um levantamento do movimento Tarifa Zero aponta que 135 cidades brasileiras já aprovaram a implementação de transporte gratuito para todos os usuários das linhas de ônibus municipais. 

Um dos exemplos mais conhecidos é o de São Caetano do Sul (SP), que adotou o modelo em 2023. Lá, uma concessionária opera o sistema, mas os custos são integralmente bancados pela prefeitura. Para Marcelo Pante, gestor do movimento Tarifa Zero em São Caetano do Sul, os resultados na cidade são positivos. “Pessoas que não tinham o ao transporte começaram a utilizá-lo. Observamos aumento na atividade econômica, com elevação na arrecadação de impostos e benefícios ambientais, com a redução do trânsito”, aponta.

Em cidade nos EUA, gratuidade é 100% custeada pelo governo 643c6

Experiências internacionais também apontam caminhos para a implementação da gratuidade no transporte coletivo. É o caso, por exemplo, de Kansas City, primeira grande cidade dos Estados Unidos a adotar a tarifa zero em todos os modais de transporte, em 2019.
Por lá, o poder público não apenas financia, mas também presta diretamente o serviço, mantendo o sistema sob controle estatal, ao contrário do modelo predominante em Belo Horizonte.

“O financiamento ocorre por taxas e contribuições dos diversos níveis de governo – municipal, estadual e federal. Já os resultados são vistos, sobretudo, na área de saúde da população”, explicou Joey Lightner, pesquisador da Universidade de Missouri, durante o seminário “Tarifa zero e vida urbana”, promovido em Belo Horizonte pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais.

“Falta a prefeitura abraçar a tarifa zero”, diz especialista 4o3n25

Em entrevista a O TEMPO, o especialista em urbanismo Roberto Andrés fala sobre os possíveis benefícios da tarifa zero e os entraves para que a medida seja adotada. Confira abaixo:

Como o senhor avalia o momento atual do transporte coletivo em BH? 

O transporte coletivo é um caos em muitas cidades, e em Belo Horizonte também. A situação está cada vez pior, e a população percebe isso. Os ônibus falhando, a gente não tem mais ônibus noturnos, as pessoas pagam uma tarifa altíssima, esperam muito tempo no ponto e demoram para chegar a suas casas. A gente vê, por isso, fuga da população do transporte público. A cada ano se reduz o número de ageiros, e a prefeitura não tem nenhuma proposta para solucionar o problema dos ônibus em BH.
 
A tarifa zero pode ser uma saída para garantir mobilidade urbana e a sustentabilidade do transporte público?

A notícia boa é que a Câmara Municipal tem uma excelente proposta para solucionar o problema do transporte coletivo em BH. Esse projeto é muito transformador e permitiria que a gente, de fato, aumentasse a qualidade do serviço de transporte, aumentasse a oferta de linhas. As pessoas poderiam se deslocar para ir aos seus trabalhos, estudos, à missa, parques – de fato, exercendo o seu direito de cidadania e de circulação pela cidade.
 
Quais os ganhos que o transporte público gratuito pode trazer para a cidade?

Hoje o Brasil tem 135 cidades com tarifa zero. Os resultados dessa política são muito evidentes e já documentados. Geralmente, há um aumento de circulação em três a quatro vezes. Isso reflete em maior assiduidade a consultas de saúde. Há muita evidência de aumento de venda no comércio, já documentado em artigos científicos. Há maior o à educação, e redução de trânsito. Todo mundo ganha.

Qual a dificuldade central de levar à frente a tarifa zero em BH?

Falta neste momento a prefeitura e o prefeito Álvaro Damião abraçarem a tarifa zero. No Brasil, essa medida está crescendo, e ainda não há uma capital no país com essa política. Rapidamente chegará a primeira. A escolha é se Belo Horizonte será essa primeira. Essa escolha está nas mãos do prefeito.