Daniel Carvalho de Paula é doutor em história e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Três dos mais respeitados intelectuais da Universidade Yale – Marci Shore, Timothy Snyder e Jason Stanley – soaram um alarme que deveria ecoar em toda parte onde ainda se valoriza o Estado de direito: os Estados Unidos vivem uma emergência democrática.
A prisão de residentes legais fora do país sem o devido processo, a repressão a estudantes por suas opiniões políticas e as ameaças a juízes federais por decisões contrárias aos interesses do governo não são desvios isolados, mas sintomas de uma degradação sistêmica.
Jason Stanley, filósofo e especialista em propaganda autoritária, não hesita: sua mudança para a Universidade de Toronto é um protesto contra os ataques da istração Trump às liberdades civis. “Quero que os americanos percebam que estamos em uma emergência democrática”, afirma.
A professora Marci Shore, historiadora das experiências totalitárias da Europa Centro-Oriental, emprega uma metáfora inquietante para ilustrar o estado de negação em que vive parte da elite norte-americana: “Somos como pessoas no Titanic dizendo que nosso navio não pode afundar. (...) E o que você aprende como historiador é que não existe navio que não possa afundar”.
Erosão da democracia
A erosão da democracia não se dá, quase nunca, por rupturas espetaculares, mas por uma série de pequenas concessões que vão normalizando o inaceitável. Shore observa ainda que o vocabulário político em inglês, calcado na autopercepção de excepcionalismo e estabilidade, por vezes, é insuficiente para nomear a gravidade dos acontecimentos, por isso recorre a expressões eslavas para descrever fenômenos como o proizvol, o arbítrio absoluto do poder.
Timothy Snyder, autor de “Sobre a Tirania” e um dos principais analistas da história do fascismo europeu, também optou por deixar Yale em direção à Universidade de Toronto. Embora declare razões familiares e acadêmicas, ele corrobora os temores dos colegas: o espaço público para o debate franco está encolhendo, inclusive nas universidades. “Mesmo que eu não tenha saído diretamente por causa de Trump ou Yale”, diz, “essa seria uma decisão compreensível, e é uma decisão que outros certamente tomarão”.
Regressão autoritária
A lição histórica é clara: não existe democracia imune nem país invulnerável à regressão autoritária. A crença de que certas instituições são inabaláveis, como tribunais e universidades, é perigosa justamente porque adormece a vigilância democrática.
O alerta desses três professores vai além de uma escolha profissional: trata-se de uma advertência civilizatória. A democracia norte-americana, segundo eles, está em risco não apenas por ações de um governo específico, mas pela ividade diante da corrosão lenta de suas estruturas fundamentais.
O silêncio institucional, a normalização da violência política e o ataque contínuo à independência do Judiciário e das universidades são marcos de um processo de autocratização em curso. O mundo deve ouvir esse grito vindo de Yale – não como uma curiosidade intelectual, mas como um sinal de que a história pode, sim, se repetir. E que, como mostram Shore, Snyder e Stanley, o tempo de agir é agora.