O silêncio que ecoa nas estreitas ruas do Córrego do Feijão, bairro rural de Brumadinho onde estava construída a barragem I da Vale, que se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, matando 272 pessoas e deixando três desaparecidos, já sinaliza o sentimento de apreensão que cerca os pequenos comerciantes da cidade. A tragédia completa seis anos no próximo sábado e além de deixar rastros psicológicos, também causa sentimento de incerteza aos empreendedores do município. 

O enfrentamento à pandemia da Covid-19, seguido de um período de ‘isolamento’ de Brumadinho por turistas em função do rompimento da barragem, tornou os negócios locais dependentes da atuação de empresas que realizam obras previstas no plano de reparação e da própria Vale. Comerciantes e prefeitura citam dificuldades em atrair turistas para a cidade. O Executivo, inclusive, lançou na última semana um Plano de Turismo, com ações para fomentar o segmento em Brumadinho. 

O objetivo, segundo a prefeitura, é impulsionar a atividade turística e a agricultura da cidade, para reduzir a dependência econômica da mineração. Atualmente, cerca de 50% das receitas estão atreladas à extração do minério de ferro. Enquanto o cenário não é revertido, Sônia Aparecida, que fundou junto com a filha a padaria ‘Feito por Nós’, vende os produtos artesanais feitos por ela aos funcionários das empresas e turistas que visitam o Córrego do Feijão. 

Além do delivery, ela trabalha, junto com outros empreendedores da cidade, em um mercado comunitário criado pela Vale, após o rompimento, e gerido pelos comerciantes locais. “Mas isso não é todos os dias, né? De terça a quinta-feira tem grupos de turistas que vêm até aqui, mas final de semana e feriado é bem parado, não aparece quase ninguém”, relatou Sônia, que trabalhava como auxiliar de cozinha na Pousada Nova Estância, varrida pela lama de rejeitos. 

A ideia de criar a padaria artesanal surgiu após não conseguir emprego em função do quadro depressivo desencadeado após a tragédia. O sonho dela é ter a própria loja, sem depender do espaço comunitário que divide com outros comerciantes.

“Mas acho que falta um pouco de incentivo. Porque na verdade o público aqui é das empresas que estão em atividade. E se essas empresas terminarem as atividades e forem embora? Eu acho que se não tiver um incentivo para turistas visitarem o Córrego do Feijão e outros tipos de incentivo, fica meio complicado manter um empreendimento aqui”, lamentou a mulher que mora no distrito há 45 anos. 

Sônia Aparecida ao lado da filha e da neta, em Brumadinho - Foto: Daniel Cerqueira/ O TEMPO

Aflição semelhante vive Larissa Solha, dona da Pousada Hari, localizada há cerca de cinco quilômetros de distância do Inhotim, principal atrativo turístico da cidade. Ela mantém o foco de atender as empresas que atuam no município, mas deseja reverter o perfil dos hóspedes para turistas. “Particularmente, eu quero mudar esse cenário, quero voltar a ter o meu foco no turismo. Antes do rompimento, todos os quartos ficavam ocupados em janeiro, e esse ano estamos com uma demanda baixíssima. As pessoas visitam o Inhotim e aí pegam uma ou duas diárias”, assinalou. 

Assim como Sônia, ela cobra incentivos aos empreendedores de Brumadinho e uma ação para fortalecer a veia turística da cidade. “Brumadinho tem muito potencial turístico, mas não é utilizado. O ponto mais falado pelos turistas é que a cidade é muito feia e que não tem um centro comercial com bares, restaurantes, lojas de lembrancinhas. As pessoas ficam perdidas”, disse. 

Já a diretora de reparação da Vale, Gleuza Jesué, já foram promovidos e implantados projetos para fomentar a economia e o turismo em Brumadinho. "Estamos, por exemplo, implementando também o distrito industrial, que é um outro pilar de atividade econômica que vai ajudar no restabelecimento de arrecadação de impostos. Estamos promovendo outras discussões para entender como podemos ajudar ainda mais o município", diz. 

Turismo além do Inhotim

Maior museu a céu aberto da América Latina, o Inhotim sem dúvidas é o maior atrativo turístico da região. O local perdeu cerca de 40% do público no primeiro mês após a tragédia, indo de 33.483 visitantes em janeiro para 6.739 turistas em fevereiro de 2019. O cenário foi se revertendo ao longo dos meses e, em 2024, o museu bateu recorde de visitação dos últimos sete anos, com mais de 335 mil pessoas visitantes durante o ano. 

Júlia Rebouças, diretora artística do Inhotim, afirma que algumas estratégias têm sido importantes na atração de turistas. “Trouxemos nomes importantes da arte contemporânea no ano ado, como Grada Kilomba e Rivane Neuenschwande, e realizamos o nosso primeiro festival de música, o Jardim Sonoro, que deu palco a nomes brasileiros e internacionais. O fortalecimento da programação e a democratização do o contribuíram para que mais pessoas se interessassem e viessem ao Inhotim”, acredita. 

Segundos os empreendedores da região, toda essa recuperação que o museu apresentou não é compartilhada por Brumadinho e seu entorno - que ainda está longe de voltar a ter os bons dias vividos antes da tragédia. Para Glauco Silva, diretor da agência Brumatur Viagens e vice-presidente da Associação de Turismo de Brumadinho e Região (ATBR), é preciso trabalhar melhor a imagem do município e mostrar que o turismo vai além de Inhotim. 

“O museu é um excelente atrativo, mas temos outras atrações, incluindo experiências gastronômicas e oficinas de cerâmica. Também temos voo livre de parapente e teremos voo de balão. É possível traçar um roteiro de dias, que vai manter os turistas na cidade. Também precisamos melhorar nosso receptivo, para acolher melhor esses clientes”, avalia. 

Já a guia de turismo Mônica de Fátima Rodrigues precisou encontrar alternativas para continuar gerando renda após o rompimento. Com a baixa no número de visitantes na cidade, ela aproveitou a chegada de trabalhadores de empresas focadas na reconstrução para investir em alugueis. “As pessoas ficaram desconfiadas, com medo de se contaminarem. Sem falar na pandemia, que também prejudicou o turismo na região”, relata. 

Mônica também aponta que o clima geral no comércio é de desânimo e que investir nos jovens é um dos caminhos para a recuperação de Brumadinho. “É preciso formar novos profissionais para atuar no turismo. Muitas vezes, o Inhotim vai buscar mão de obra em outros estados, porque não encontra aqui. O museu tem um super potencial e é preciso aproveitar para gerar renda para a região”, aponta. 

Distritos também amargaram perdas

Saindo da região central de Brumadinho, empresários localizados nos distritos da cidade - Aranha, Conceição do Itaguá, Piedade do Paraopeba e São José do Paraopeba - também relatam prejuízos que duram até hoje. Entre eles está Wanessa Piacenza, proprietária da Cervejaria & BrewPub Piacenza, localizada no distrito de Aranha. De acordo com a empreendedora, o rompimento afugentou turistas que frequentavam a região. 

“Era muito comum recebermos vários visitantes europeus na cervejaria, algo que não acontece hoje. O perfil de quem vem de fora mudou muito. A cidade recebe principalmente trabalhadores das empresas que atuam na recuperação do território ou moradores de cidades vizinhas, como Betim e BH. As notícias sobre o rompimento deram a impressão de que a cidade inteira estava debaixo da lama, os turistas acabaram fugindo”, afirma. 

Segundo ela, hoje a empresa recuperou apenas 20% do público e do faturamento que tinha antes do rompimento. “Acredito que só vai melhorar de fato quando a publicidade sobre a região for mais positiva, mostrando que é seguro visitar Brumadinho e desmistificando a ideia de que tudo foi destruído. Temos muito potencial turístico”, diz. 

Moradora do distrito de Piedade do Paraopeba, a empresária aposentada Jacqueline Mendonça, que aluga um imóvel por temporada para complementar sua renda, também reclama de perdas. “Antes, eu tinha clientes todo final de semana. Após o rompimento, ei quase um ano sem hóspedes. Agora, tenho dois finais de semana ocupados e olhe lá. No último mês ninguém se hospedou, só consegui alugar para o réveillon. Sinceramente, acho que nunca mais voltaremos à normalidade”, desabafa. 

Ela também destaca que foi criado um estigma em torno da população local e lamenta os sonhos perdidos. “Viramos gado marcado, onde quer que eu vá me perguntam da tragédia. A Vale acabou com meu sonho de inaugurar outro chalé, de ter outros comerciantes perto de mim. Também desestimulou investimentos, como vou aplicar dinheiro em um lugar cercado por inseguranças? A lama não ou por aqui, mas respingou em todos nós.”

Prefeito projeta futuro 

Em entrevista à reportagem de O TEMPO, o prefeito de Brumadinho, Gabriel Parreiras (PRD), afirmou que no Plano de Turismo projetado para o município haverá um incentivo para a prática de quadriciclo e competições em trilhas como o motocross, balonismo e festas tradicionais. Ele alertou que os próximos dois anos serão os últimos em que o município receberá recursos do acordo de reparação firmado com a Vale e pretende acelerar o processo de diversificação econômica. 

“Precisamos aproveitar os próximos dois anos que a prefeitura ainda vai ter um superávit para investir com muita responsabilidade, porque hoje a gente tem dificuldade de reter o turista que vem para Brumadinho. Ele vem visitar o Inhotim, mas não fica em Brumadinho”, projetou. 

Parreiras citou que na agricultura a prefeitura prevê apoio a pequenos agricultores para fortalecer a produção de frutas e hortaliças. Um distrito industrial também está em construção no município. “Não existe reparação em Brumadinho, a reparação ainda não começou. Precisamos de celeridade nas obras”, disse o chefe do Executivo em crítica à Vale.